sexta-feira, maio 30, 2008

Este sentir piano



Este sentir que tenho em mim
Ouve-se no som sustenido da música de um piano
No uivado solitário da coruja que me chama
Na cegueira em que me perco querendo encontrar-te

Na noite em que sou tua sem jus nem tino
É difícil viver sem o excesso
Do toque que me entregas das teclas do piano
De onde nascem as ânsias e as inseguranças

Nas pedras soltas do passeio que os meus saltos ecoam
Num caminhar sem redor sem destino
Por desejar flutuar até ti, meu doce
Como um ser de éter vivido e de teclas tocado

É difícil sentir como sinto… ás vezes sou tua, ás vezes de ninguém. Faz de mim musica e assim sempre me terás.

domingo, maio 25, 2008

II

Passam-se as semanas e a paixão entre os dois cresce indomável e quase insana. Por mais que os dois jovens intentem passar distraídos um ao outro, os olhares e os sorrisos traem-nos… se não olhassem, seriam outros os sentidos.
No início da tarde, presa no seu abraço, ele tinha-lhe dito: - Cada dia que passa, mais vontade tenho de estar contigo. Há coisas bonitas e sensações boas, mas tu meu amor, és, e dás-me sensações indescritíveis. O meu obrigado eterno! – Ela arrepia-se com o sentimento contido nas palavras que ele lhe murmura ao ouvido porque sabe que são cristalinas de comoção.
A experiência dizia-lhe que devia afastar-se das afinidades impetuosas, mas os sentidos não lhe toleravam manter-se longe dele. Ambos se consumiam de desejo em frente dos olhares indiferentes dos demais. Só as expressões dos semblantes afogueados pelo desejo os poderiam denunciar, mas mais ninguém reparava no mundo fervente que ambos experimentavam.
A labuta termina e ele precipita-se porta fora para a esperar no local combinado. Quando ela chega, quase a carrega do carro para fora com beijos e carícias. Entram dentro de casa batendo a porta, despojando roupa e desaguam em pele, onde se perdem durante horas, até ao novo dia que alvora.
Quando depois de mais uma noite mal dormida pelo ênfase da paixão ele sai, ela fica só, nua, nos lençóis onde ele deixou o odor do seu corpo. Em silêncio com as suas recordações um sorriso assoma-lhe nos lábios e espreguiça-se languidamente quando recorda os toques, os suspiros, os beijos, as sensações vividas naquele mundo tão deles, tão surreal.
As horas vão correr lentamente até voltar a mergulhar no doce azul daquele olhar. Mas anseia por mais uma noite onde ele descobre em cada milímetro da sua pele as suaves espontaneidades da sua feminilidade.

domingo, maio 18, 2008

I


Saiu de casa, sem rumo, sem destino. São 7:10 da manhã e o orvalho matinal traz o cheiro da terra que banhou. É aquele momento do dia em que os pássaros silenciam o seu canto e o sol perde a timidez. É aquele momento em que a brisa pára de soprar e o mundo se suspende para observar Vida.
É o momento em que ela sai, sem rumo, sem destino. Ela e os seus sapatos de corrida, que consigo carregam os pensamentos.
Dá por si parada a beira do penhasco, atrás dela a estrada, á frente o oceano tumultuoso que bate na rocha negra. Aqui a brisa já sopra em vento, revolvendo-lhe cabelo que traz preso. Não dá por isso, enceta uma marcha rápida que logo se converte em corrida táctil.
Conforme a estrada passa por debaixo das solas dos sapatos os seus pensamentos flúem, inicialmente sem qualquer nexo ou causalidade, depois voam para si, e para ele.
Um sorriso assoma-lhe os lábios quando recorda o primeiro beijo, dado em rompante entre a manete das mudanças e o travão de mão. Com o embaraço dos casacos húmidos da morrinha nocturna.
Ela recorda-se da primeira vez que o viu, concentrado no que estava a fazer. Não deu por ela, mas ela reparou nele. Ele salientava-se naquele ambiente repassado e impuro, alto, sorridente, brilhante, com um frescor típico de quem gosta da rua, do ar livre. Mas afastou daí o pensamento e seguiu o seu caminho de regras e correcções, como sempre fazia.
O tempo correu e ficaria a conhece-lo melhor, entenderia o seu coração, a sua vivência e experiência. Dali germinou a amizade natural entre dois entes que valorizam os pequenos grandes momentos.
Imersa nestas recordações acrescenta ritmo ao passo e levanta a cabeça para sentir o vento fresco que lhe arrefece o corpo já suado do esforço físico. A sua compleição esguia e atlética lembra a gazela da savana, que suspende o corpo a cada impulso da passada. Mas nesta manhã, contudo, são as suas reflexões que a movimentam, e fazem-no no erotismo da mulher que foi tocada, sentida nas mãos de um homem.
Ela nunca pensou que ele reparasse nela como mulher, que se interessasse por ela para além de uma boa colega, de uma boa amiga.
Ele disse-lhe quando a beijou que nunca considerou que algum dia seria dele, que era demasiado bom para ser verdade. Ele havia-a desejado para si desde o primeiro momento, mesmo quando não simpatizou com ela.
Nessa noite, depois dos beijos desembaraçados dos casacos que ficaram caídos no chão do carro, ele envia-lhe um sms a dizer que era um sonho tornado realidade. Ela ficara feliz com isso, com o sms, com os beijos embaraçados e desembaraçados dos casacos molhados da chuva.
Das últimas mensagens que haviam sido reciprocadas em desafio das carecias afectivas que ameaçavam a racionalidade dos dois seres. Do desdém enganador de quem deseja pela atracção que suporta, ao ouvido amigo de quem acompanha a desdita ventura de outrem.
Foi necessário rebentarem de privação para que os dois corpos necessitados se consumissem no fogo do enamoramento. Não pararam para pensar em mais nada, apenas na necessidade emergente, deixando a espontaneidade comandar, pela primeira vez, a irracionalidade sã que estava a ocorrer. E assim ficaram naquela hora da noite, os dois abraçados e conhecer com os lábios cada centímetro dos seus rostos, a tocar pele e derreter o olhar que afundavam quando o tempo parou para lhes dar passagem ao sentir.
O sol das 9 horas principia a amornar e a camisola de alças já transparece colada á pele. A respiração ofega e o cabelo cola-se-lhe à testa, mas ela ri-se jovial. Não repara nos transeuntes que a vêem passar a correr, numa corrida decidida e ritmada. O pés batem no chão com o ímpeto de quem deseja mais da vida do que simplesmente viver. E este novo romance inesperado trouxe-lhe a feminilidade de mulher que gosta de estar bela para que o seu companheiro a veja assim, bela. Não se apercebe que lhe basta a sensualidade que lhe permanece no olhar verde-anilado, na cor lhe que pinta a tez.
Os dias passam com beijos trocados, com olhares liquefeitos, com ânsias de mais tempo de mais oportunidade, de sons e desafios nos gestos que trocam. Todos reparam na felicidade lactente, mas não sabem que ela os desafia aos dois, é segredo deles e só deles.
Com o chão a passar debaixo dos pés, ela dá uma gargalhada cristalina num desafio de felicidade que ergue á vida, ao destino, á ironia que a vida lhe trouxe. É na relação inesperada, impossível, que a felicidade lhes acena e pisca o olho esquerdo.

segunda-feira, maio 05, 2008



Se pudesse trocar as voltas ao tempo, estaria novamente no consolo da curva do teu pescoço
Se soubesse deter o tempo, estagnaria o mundo só para me deixar mergulhar no oceano do teu olhar
Se conseguisse dominar o tempo, maneava-o para que todos os instantes fossem nossos.

Assim, sou apenas a mulher que anseia ter mais um fugaz instante na calma tua pele.