terça-feira, abril 28, 2009

Menina Mármore

Naquela divisão penumbrenta encontrei-te sentada, meio arcada num canto, indiferente e desabitada.

Os cabelos azeviches caíam emaranhados pelas costas delgadas, e os olhos mortiços, escuros como breu, enterravam anos de abandono e indiferença na face triste de criança que foi largada no tempo e no espaço.

Tentei buscar em ti um brilho de infância, uma candura de gesto… nada! Com arrepio reparei que da tua pele diáfana ressaltavam linhas, várias linhas de dor que infliges a ti mesma pela culpa que nunca deveria ser tua. E na ausência de amor, de carinho e de ternura, tu te mutilas vezes e vezes sem conta com a finalidade de embotar com a dor da carne, a dor que berra do teu espírito.

Os 12 anos de infância roubada gritam-te de todo o tecido que já não é maleável, que hirto está das mágoas perfuradas por pais que o nunca deveriam ter sido.

E assim eu te vi nas sombras, empedernida e riscada de traços e linhas e covas e ângulos de pedra que fazem de ti uma menina de mármore cuja rigidez regela ao olhar.

Em gesto desesperado toquei-te a face que indiferente se mantinha nos seus traços. A assistente social estava por perto e não pude chorar as lágrimas que tu deverias estar a chorar. Mas reparei que num momento me viste os olhos marejados daquelas que não jorravam.

Debaixo do meu abraço, junto ao meu colo não te sentia nem te ouvia. Queria poder aquecer este teu jeito de Menina de Mármore que ficou em ti e de ti não se solta. Queria partir a pedra que te tira a vida, mas que te mantém una com a pouca sanidade que ainda deténs.

Por fim dizes chamar-te Liliana, só Liliana. Não tens fome nem sede. Não sentes porque não tiveste direito a isso. O frio não te ataca. Só a minha presença a fazer-te estas perguntas que não queres responder porque já não tens voz. A outra senhora que está lá também devia sair para não te incomodar, mas sabes que agora viemos para ficar e tu ressentes-te com isso. Não queres mais perguntas, apenas queres voltar ao teu mundo onde a dor da carne embota a dor do espírito.