segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Gostar



Só esta noite, apenas esta noite eu não vou dormir para me poder lembrar do que gosto, porque o que me entristece está sempre por perto... de todas as formas que não desejo recordar. Assim, vou centrar-me no que gosto... sim no que gosto que é tanto, que me preenche de sonho e de ilusão mal contida.

E do que gosto eu?

Gosto de tecidos suaves que roçam a minha pele. Gosto do cheiro suave das lãs mornas no Inverno e dos linhos frescos e leves no Verão. Gosto do pêlo quente e húmido do cavalo que montava ao domingo de manhã. Gosto dos meus olhos, das minhas mãos e dos meus pés enterrados na areia da praia, quente, no final de tarde em que me sento e me envolvo no marulhar do azul das ondas do mar.

Gosto da compota de morango barrada no Croissant quente que eu saboreio em frente do olhar grato de quem me quer bem. Gosto de me comover no abraço amigo do Amigo que me nutre carinho sem o preconceito ou a segunda intenção do sexo. Gosto de imaginar que um dia serei olhada com a adoração que eu sentirei de retorno. Gosto de me iludir com sonhos românticos em que tudo se realiza com a felicidade e a boa fé.

Gosto dos sorrisos, risos e gargalhadas acompanhados pela cumplicidade da alma aberta ao bom carácter dos ébrios da loucura do bem sentir. Gosto da palmada no ombro, do carinho na face, da palavra amiga que se dá e se recebe.

Gosto de saber que há muito mais para gostar, mas que não caberia em mim pensar em tudo, para já. Sentiria o calo, para deixar de sentir... o gostar...e eu,

Gosto de gostar...

domingo, fevereiro 04, 2007

O amor pede identidade com diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia - os amores todos que são os absurdiandos do amor. (...) O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.

Fernando Pessoa, in 'O Rio da Posse'