quarta-feira, novembro 09, 2005

Uma memória



Aprendo a saber onde pertenceste, onde foi a tua casa…
Pertenceste ao teu quarto, aquele onde, em garoto, guardavas os brinquedos, e mais tarde levavas as namoradas;
Ao teu carro, aquele que o teu pai te ofereceu por teres entrado na universidade, e onde transportaste as miúdas em direcção aos miradouros e onde permanecias, com elas a marmelar;
À biblioteca, onde queimavas as pestanas a tentar estudar para os exames de final de curso;
Às ondas que te deixavam deslizar em velozes ziguezagues, às paredes de rocha que escalavas de pés nus, ou à memória dos morcegos que te recebiam sempre que na casa deles entravas com a parafernália de cabos e mosquetões.
Não pertencias a nenhum lugar, no entanto estavas em todos, seguro e confiável, meigo e prestável.
Encontro-te agora no Guincho onde me transportavas na tua longboard e me ensinavas a escutar a espuma das ondas, num sobe e desce langoroso e tantalizante ; encontro-te na Torre onde desenhávamos loucuras na areia e nos deslumbrávamos com o reflexo da lua no espelho marítimo; encontro-te, Monstro, sempre que uma bênção me é presenteada, quando nada parece resultar, quando não vejo alternativas, quando as consequências são demasiado dolorosas e o choro não alivia o sofrimento, mas, no último momento, naquele em que toda a esperança cessou, o destino tece uma reviravolta e o negativo desaparece. Nestes momentos, oiço os teus olhos, vejo o teu sorriso, sinto a tua ternura, e tudo se torna alcançável, possível, realizável.
Desculpa se te chorei no egoísmo de te não querer perder. Eu agora sei que nunca te perdi, um dia encontrámo-nos e unidos permanecemos num laço inquebrável, o da confiança, da ternura, do Amor.
Hoje volto ao teu quarto, à biblioteca da UL, aos locais onde nos escondíamos dos pais e do mundo, e já não sou a mesma desses tempos, tu também já não serias, mas estou certa de que, quem foste ajudou a ser quem sou.
Na recordação ficam os sonhos planeados sem realização… do Kilimanjaro, às florestas do Cambodja, um dia… estarei lá e recordarei, como se comigo estivesses na sua realização, e deixarão de ser sonhos.
Na efemeridade da vida física não encontro a tua casa, na inalterabilidade da alma, pertences-me em espírito enquanto me recordar que te Amo, meu Monstro.

A Ti, que um dia chamei Paulinho… ou Gonçalo, mas sempre o meu Monstro.

1 Comments:

Blogger Eleafar Cananita said...

el pasado es tambien veces un monstruo amable que nos come, pero luego nos devuelve al presente, con el cabello mojado y el cuerpo vibrando.

9/11/05 06:12  

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