sábado, outubro 29, 2005

Ausente II

Não sei quanto tempo ali fiquei observando a força dos elementos, mas, numa dada altura, os matutanços deixaram de acorrer ao meu cérebro e atingi um estado de adormecimento tal, que poderia o penhasco desmoronar que eu não teria dado conta.
Voltei a mim, já a luz da manhã se fazia sentir. Os olhos doíam-me e a cabeça estava febril pela falta de descanso.
De regresso a casa, não sabia se o Peregrino lá estaria, mas alimentava a esperança de poder regressar para alguém que à minha espera estivesse… a casa estava vazia, o canto também.
Enrosquei-me na poltrona do escritório. Lá o calor é permanente, vindo da lareira que o Peregrino mantém acesa. E foi neste cenário do meu guião que adormeci enfim.

Puxando à recordação a madrugada passada, tudo se me figura como um sonho, um sonho raro e cheio de informação para processar. A cabeça dói-me e não consigo retornar aos meus matutanços.
Sei que ele me deixou, mas sinto-o à mesma. A sua presença encontra-se pela casa toda, nos sítios onde tocou, nas recordações que dele guardo, nas mudanças que originou.
O meu guião revelou-se-me um pouco mais, e eu sei que o meu Realizador moveu as suas influências nesse sentido. Mas, porque nunca me atende, fico com a sensação de que estou desligada de todo o processo. Como se, entre Ele e as forças que vão movendo o cenário, houvesse algum contrato firmado, no qual eu, nem participo, nem tenho querer. O meu Forasteiro sabe disso e pouco me revela sempre que o questiono.
Agora de nada me valem as questões se ele se encontra ausente a toda e qualquer pergunta! Os elementos que guardo na caixa que sempre trago nas mãos destituem-se de qualquer significado quando com ele não os posso partilhar. O vazio instala-se e apodera-se de tudo o que me rodeia sem a sua presença física conciliadora, e até as pedras da lua perdem o brilho quando comigo não está.
Sabendo que a pressa é inimiga da perfeição, mais um dia eu aguardo por ele, tentando o equilíbrio no alto da linha mestra do meu guião.
Se eu caísse… alcançar-me-ía?