quarta-feira, outubro 12, 2005

Tempestade, nada Tropical

Foi mais um dia de acordar com a madrugada, mas já fazia dia. Depois da chuva da noite ficou o cheiro acre da terra molhada, que do terraço iludia já que só vislumbrava estrada de alcatrão, brilhante da humidade.
Enrolei-me no casaco e voltei para dentro de casa. O Senhor dos Sonhos prega-me destas partidas, e fico desperta, só, com os meus matutanços que costumam ser nocturnos.
Sentei-me no escritório a ouvir o Cânon in D de Pachelbel e quis libertar-me aos pensamentos que eram dos dias anteriores. Mas eles não tinham coesão alguma, iam e vinham incessantemente, sem lógica ou argumento para o meu guião. Chamei pelo Realizador para que me oscilasse uma luz no meu cenário, mas estava ocupado! Sempre ocupado!
A tempestade não perdeu energia, ainda aqui se encontra bem presente. Receio por estragos e anseio por respostas.
O Peregrino acocorou-se nos meus joelhos em frente do cadeirão onde estava sentada, enrolada no casaco. Segurando-me a ponta dos dedos, beijou-os, um a um, com método de sentir, com aplicação. Olhava-me daquela maneira que só ele sabe e sorria-me como o gato que saboreou o biscoito… nada me disse! Eu quero que fale comigo, mas nada me diz, olha-me, canta-me, sorri-me…apenas!
Mas eu quero mais! Digo-lhe e repito.
Ele sabe algo que eu não sei,… ainda. -“Saberei, quando for a Hora!”- revela-me.
Transmite-me directamente luxúria às entranhas que se retesam de ansiedade, e arrepia-me com o seu toque indissipável.
Tomo consciência de que será difícil igualar tão grande mestre provocador. Ele sabe dessa realidade e aproveita-se da vantagem.
Ao reparar que estes pensamentos me entristecem, compensa-me tomando-me nos braços e fazendo de mim e em mim o que mais nenhum outro alguma vez teve capacidade de provocar.
E assim o guião se exterioriza, mais difícil de ser interpretado, seja por protagonista, ou antagonista…
…E a tempestade que não passa…