quinta-feira, abril 27, 2006

O meu primeiro conto

Saí de casa na esperança de te encontrar.
Vagueei pelas ruas, pelos subúrbios. Procurei-te.
Já era de madrugada, muitos homens me abordavam com piropos e outros ditos pouco próprios para uma mulher com uma educação rigorosa que eu havia recebido. Mas eu não os ouvia, pois não os procurava. Estava absorta na tua busca, era a ti que eu queria encontrar.
Voltei para casa já o dia clareava.
Despi-me, vesti o meu pijama de cetim cor de pêssego e deitei-me, não sem antes olhar para dentro do meu coração e tentar ter um vislumbre da tua imagem. O teu rosto vagueava sem traços na minha mente. Não consegui adormecer. Necessitava que me tocasses, que eliminasses as minhas carências mais profundas.
Liguei o rádio, a música soava tão alto e senti tonturas, o som levava-me para longe, para um romantismo que me doía.
Por fim, adormeci sonhando, mas sem esperanças de calor humano por mais uma noite.
Na noite seguinte, voltei a sair para te procurar.
Quando saí do carro, vi-me perdida no meio da selva, tive medo, ouvia barulhos que eu não reconhecia e que me era impossível identificar. Escurecia e procurei um abrigo na esperança de, logo que o dia clareasse, procurar uma saída para aquele pesadelo deslumbrante de som e de cor sem luz, de silhuetas não identificadas.
Lembro-me que atravessei um riacho, passei por uma represa construída por castores, e por uma pequena clareira onde as árvores ladeantes eram habitadas por corujas afónicas de tanto gritar.
Já sem medo, comecei a adaptar-me aos ruídos da noite. Foi-me mais fácil encontrar abrigo debaixo de um velho e grande carvalho deitado ao chão por alguma força da natureza.
Acendi uma fogueira com a ajuda de um isqueiro que trazia dentro do bolso e sentei-me à espera. Esperava acordar, algum sinal de civilização, talvez um avião a passar. Nada disso aconteceu. Dormitei durante algumas horas. De repente, um resfolgar despertou-me e deixou-me alerta. Olhei sem ver para a escuridão, ouvidos espertos, só os barulhos da noite lhes chegavam, o som do grilo, das rãs em acasalamento, das famosas corujas, da brisa morna batendo nos ramos das árvores e fazendo as folhas arquejar.
Ouvi um rugido. Era de certeza um animal selvagem, perigoso? Não sabia! Tive medo, fiquei apática com receio de respirar. O animal estava muito perto. Sentiu-me a presença, talvez pelo cheiro. O fogo tinha-se apagado e eu estava indefesa, apenas á espera, ouvindo os passos da fera dirigindo-se a mim.
Abri os olhos e olhei para a escuridão. Vi dois olhos luzidios, arrepiei-me. Não sabia o que fazer, o meu instinto dizia-me para me manter quieta. Não tinha como lhe desobedecer, estava paralisada de medo.
A brisa correu mais forte e o céu nublado descobriu a lua, e num feixe de luz eu reconheci um grande felino, era uma pantera negra em pose de ataque, olhar selvagem, arquejante, pronta a saltar sobre mim. Sabia que tinha que fazer algo para me proteger. Um grito ecoou dentro de mim, mas não passou ás minhas cordas vocais.
Repentinamente, o grande felino aproximou-se calmamente, já sem vestígios de me querer atacar. Mantive-me muito quieta, à espera de um ataque a qualquer momento. Já não temia pela minha vida solitária. Crescia dentro de mim uma nova força que me dava audácia. Senti-me erótica, soltei o cabelo que estava apanhado no alto da cabeça e a fera pareceu ficar confusa. Vagueava á minha frente, como que a admirar-me, como que a querer atacar, mas algo a impedia.
A força já não cabia dentro de mim, era como uma luz que me encheu o espírito e depois transbordou. Levantei-me e comecei a dançar a um ritmo ondulante.
O felino estava confuso, a luz que saía de dentro de mim ofuscava-o.
Então, como que por magia, saltou sobre mim derrubando-me. Senti o seu pelo macio. Senti as suas garras afiadas rasgando-me a roupa sem me rasgar a pele.
Quando dei por mim estava nua, lutando com o meu corpo, como um ser selvagem, e apenas a luz discreta da lua nos iluminava.
A nossa luta parecia uma dança primitiva, estonteante, cada vez mais perigosa. Algo em mim me impelia para aumentar a violência aos movimentos, cada vez mais impetuosos, mais ousados.
Então, numa explosão de sentidos, acordei. Estava numa cama que eu não reconhecia, havia um braço sobre mim, senti um suor morno por todo o meu corpo. Senti o calor do corpo de quem estava a meu lado.
Receei olhar, sentía-me confusa.
-Não tenho nada a perder- Pensei.
Olhei e vi um corpo adormecido. Um corpo muito masculino. Senti o seu aroma, era-me familiar. Olhei o seu rosto, não para o identificar, pois já sabia quem era. Tinha apenas a necessidade de o fixar.
Era um rosto suave, de contornos leves e sensuais, uma boca cheia que induz a ser beijada, uma boca que sabe beijar. Um cabelo escuro e revolto, uma respiração calma e regular.
Olhei para o seu corpo macio e forte, e reconheci o que de selvagem havia em cada terminação nervosa.
Também ele acordou, abriu os olhos devagar e fitou-me. Não disse nada, apenas sorriu.
Soube a partir desse momento que já não podia ter medo da solidão. Já não procurava, já não precisava de vaguear, pois já te tinha encontrado. Estiveste sempre ali, naquele lugar selvagem onde eu tinha medo de procurar com o medo do que poderia encontrar.

A TODOS OS QUE VAGUEIAM NAS VIELAS DA VIDA; PROCURANDO O QUE TÊM MEDO DE ENCONTRAR...O SEU VERDADEIRO EU.



1995 ---- Cláudia Vaz Antunes

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

esse ja conhecia, falta a coragem
jokinhas fofita
PP

2/5/06 19:58  

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