quinta-feira, dezembro 08, 2005

A ponte


Comecei a manhã como já não fazia desde que o verão terminou, equipei-me e saí para correr.
O dia tinha amanhecido frio, mas solarengo e sem nuvens, e o rio avistava-se no seu todo até à outra margem, com a ponte ao fundo como que emoldurando a linha do horizonte.
Corri sozinha com o asfalto ao longo da orla ribeirinha, ouvindo a respiração e atenta ao vapor de água que com ela saía.
Outros corredores passavam no seu ritmo, mas não os registava na minha mente porque estava absorta com os meus pensamentos. Aqueles matutanços nocturnos não me visitavam há um mês e sentia a cabeça limpa de cogitações. Pensava nos recados que teria que cumprir até o dia terminar, pensava no almoço que tinha marcado com um cliente, pensava no trivial. A vida fluía com leveza desde aquela última tempestade que me entrou pela casa. Os dias tinham passado, desde então, com uma luminosidade fugidia e cambiante nos tons neutros.
Do meu Peregrino nem notícia. Mas não me ralei mais, pois dediquei-me à escrita do meu novo guião a partir da última linha traçada do antigo.
Enquanto aligeirava o passo, via os pilares da ponte, fortes bases cinzentas de betão, aproximarem-se. Ao passar por debaixo daquele gigante que se erguia a dezenas de metros de altura, senti a euforia de ter passado para o lado de lá duma fronteira, como se de um marco se tratasse. É certo que tal convicção só aparecia na minha imaginação, pois o mundo rodava como sempre rodou.
Já me encontrava longe do local de partida e a Ponte tinha ficado quatro quilómetros para trás e resolvi dar a volta para retornar. Quando cheguei ao ponto de onde partira suava ofegante e o sol já ia alto com a manhã.




O dia passou-se veloz e sem grandes remates, por isso voltei para casa com a impressão de ter deixado algo inacabado, mas não lhe dei muita importância.
Ao entrar em casa tive a ligeira sensação de calor, como se temperatura tivesse aumentado e dei conta que mais alguém lá tinha estado. Com a garganta apertada percorri o caminho que me distanciava do escritório e encontrei-o arrumado, com a lareira acesa, como se o tempo não tivesse passado desde que o meu Peregrino se ausentara. Olhei em redor e não o vi. Corri pela casa chamando-o, e nada!
Perguntava-me porque teria ele aparecido para reacender a lareira e não esperara por mim. Estaria ele a troçar deste meu novo rumo? Estaria ele a tentar regressar, mas não conseguia encontrar o caminho de regresso? Muitas perguntas pontuavam o meu cérebro, sem resposta. Não tinha como resolver o mistério. Para já, sentia-me cansada e resolvi deitar-me sem jantar, estava ansiosa por me estender no sofá do escritório, agora com o seu ambiente de sempre, acolhedor e confortável.
Já descalça, encostei-me no sofá em frente da lareira e puxei a manta de caxemira para cima das pernas. Ao fazê-lo vi algo cair. Olhei para o chão e caída encontrei uma flor de alfazema…




1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gosto do que leio... gosto do que penso!
May bien!
Cientista

9/12/05 22:52  

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